Por Julia Furrer
para revista Joyce Pascowitch de novembro
Durma oito horas
por dia. Não coma glúten. Reaplique o protetor solar. Lave as mãos por 90
segundos. Evite derivados de leite. Faça exercícios físicos diariamente.
Mantenha os exames em dia. Tome uma taça de vinho todas as noites e 1 litro de
água todas as manhãs. Chocolate só se for amargo. Gordura só boa. Elimine as
frituras. Aposte na linhaça. Chega! A lista de recomendações médicas cresce a
cada dia, junto com a onda de bem-estar que invade as redes sociais todas as
manhãs, quando (antes de raiar o dia) milhares de usuários postam suas rotinas
de exercícios e seus copos de suco verde. Será que não estamos exagerando? Não
deve haver um limite também para o que faz bem?
A saúde é um estado
de completo bem-estar físico, psíquico, mental e social e não somente a
ausência de afecções e enfermidades segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS). Ser saudável, portanto, não é apenas ter níveis de colesterol, diabetes
e triglicérides em ordem, mas também sentir-se disposto, dormir bem e conviver
com amigos e família. O tema anda tão em voga que virou febre. É difícil
achar alguém que não venha com uma teoria bem elaborada sobre como a vida é
diferente sem um determinado alimento ou como o sol vai te fazer ficar feio. Ou
seja, muitas vezes a desculpa é uma, a motivação é outra, mas os exageros
trazem danos iguais.
Para a psicanalista
Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da
PUC-Rio, somos avaliados moralmente pelo nosso corpo, não pelas nossas
realizações, e acabamos confundindo saúde com isso. “Tem muita gordinha
saudável, mas as pessoas acham que esse é um estado restrito ao biotipo dos
modelos que figuram as propagandas de leite desnatado”, diz.
Se ser gordo virou
sinônimo de doença e descuido, levar um estilo de vida saudável, em uma cultura
altamente narcísica, virou razão para se ter muitos seguidores nas redes
sociais. Uma das mais populares, a paulistana Gabriela Pugliesi acumulava até o
fechamento desta edição 450 mil seguidores em sua conta do Instagram. Entre as
fotos de sua própria barriga, Tupperwares com batata-doce e sucos detox, ela
escreve frases “motivacionais” como “essa bunda não pede pizza aos domingos,
cancele a tua”, “cuspa o chocolate que acabou de comer”, “vai ficar na cama?
Então não reclama dessa bunda cheia de estria” e outras.
A nutricionista
Adriana Kachani diz que muitos optam pelo radicalismo por não conseguirem
encontrar o ponto de equilíbrio. “É o velho caso do prefiro não comer nenhum a
ter de me contentar com um só.” Joana acredita que a própria sociedade do
consumo fomenta a moralização da beleza. “Se você está insatisfeito com sua
aparência, continua consumindo cremes, cirurgias plásticas, tratamentos,
serviços, alimentos saudáveis etc.”, explica.
Mas não é só a
busca pela boa aparência que está por trás do estilo de vida saudável. A
apresentadora Glória Maria, por exemplo, jura que isso vem como consequência.
Superxiita, ela não come carne, fritura, cremes, leite, pães, ovo ou açúcar.
Chocolate? Nem pensar. Mas nunca abre exceções? “Até abro, mas não consigo me
lembrar da última”, diz, rindo. Gloria conta que o estilo de vida foi fruto de
anos de muita leitura e observação. “Aos 18 viajei para a Índia e vi que lá
todo mundo era magro e ninguém comia carne. Decidi cortar e me fez bem”,
explica. “Claro que às vezes vou a um jantar e morro de vontade de comer um bom
filé, mas não vou prejudicar uma história de vida por um prazer passageiro.”
Além da alimentação regradíssima, ela pratica pilates e caminhada todos os
dias, e toma suas já famosas cápsulas – atualmente são quase 100. E a
alimentação restrita passa para as filhas de 5 e 6 anos. “Outro dia liberei uma
salsicha de frango porque tenho muito medo que um dia elas comam uma de carne.
Brigadeiro, então, nunca provaram, fico dizendo que tem um gosto horroroso.”
O problema está
quando a saúde começa a virar doença. Os distúrbios são menos visíveis do que
na anorexia e na obesidade, mas tão preocupantes quanto. Há o transtorno
disfórmico corporal, em que a pessoa tem uma alteração na percepção de sua
imagem e busca por um modelo de beleza inatingível; a vigorexia, quando o
indivíduo quer estar sempre mais forte e para isso treina com intensidade que
excede sua capacidade de recuperação; e a ortorexia, de quem tem fixação por
comida saudável a ponto de só conseguir comer alimentos orgânicos.
A designer de joias
Silvia Fischer, por exemplo, assistiu de perto o estilo de vida saudável se
tornar paranoico. Quando casou com seu ex-marido, o empresário Flavio Souza
Ramos, ele era 30 quilos mais gordo e completamente sedentário. Começou a
correr aos poucos, passou a emagrecer e tomou gosto pelo esporte. De repente,
tinha adotado a alimentação saudável como regra, entrado para uma equipe de
triatlo e feito daquilo prioridade absoluta de sua vida. “Ele precisava dormir
às nove todos os dias, não bebia nem uma taça de vinho, só comia ricota, não
falava em outro assunto… Resumindo, virou uma outra pessoa e minha vida se
transformou em um inferno”, conta. Flavio, que chegou a disputar quatro Ironman
em 11 meses (a prova que desafia atletas a percorrer 3,8 km de natação, 180,2
km de ciclismo e 42,2 km de corrida), reconhece os exageros de seu próprio
passado: “Essa obsessão acabou com meu casamento, prejudicou minha vida
profissional e até minha saúde, tive inúmeras lesões. Virei um chato do tipo
que perguntava para a moça do bufê, no aniversário dos meus filhos, se o
salgadinho era assado ou frito”. Só procurou ajuda quando namorou alguém ainda
mais neurótico. “Ela era tão viciada no triatlo que não queria transar por
causa do treino do dia seguinte. Vi que era o fim do mundo.”
Mas como saber
quando hábitos – aparentemente saudáveis – passam da medida e se tornam um
problema? O endocrinologista Filippo Pedrinola diz que a diferença entre o
veneno e o remédio é sempre a dose. “É preciso aprender a escutar o próprio
corpo, que sempre avisará quando a harmonia desaparece. Insônia, transtornos de
ansiedade, estresse, tudo isso é muito comum nas pessoas que estão passando dos
limites.” Joana acredita que um bom parâmetro é perceber o quanto a rotina da
pessoa está sendo prejudicada em nome das praticas saudáveis. “Se o sujeito
começa a chegar atrasado no trabalho porque aumentou o treino, não quer ir à
praia antes de malhar ou deixa de ir à comemoração de um colega porque não terá
comida saudável, é hora de se preocupar.”
Buscar o caminho do
meio é mesmo difícil. Para Adriana, os radicalismos são todos ruins, inclusive
aqueles propostos por alguns nutricionistas. “Cortar o glúten ou lactose de uma
dieta não faz o menor sentido a não ser que o paciente tenha intolerância
comprovada por exame laboratorial”, explica. Pedrinola endossa: “Não existe
dieta que sirva a todos, nem vilões na alimentação. São só desculpas para
vender livros”. Bom senso ainda é a medida certa.